sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Quem mói no asp'ro não fantasêia - Trecho do Grande Sertão: Veredas

De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícil, peixe vivo no moquém: quem mói no asp'ro não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei nesse gosto de especular idéia. O diabo existe e não existe. Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso... (2001, p. 26).

sábado, 10 de dezembro de 2011

Trechos do Grande Sertão: Veredas


“Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração.”

“A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?”

“O jagunço Riobaldo. Fui eu? Fui e não fui. Não fui! – porque não sou, não quero ser.”

“Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho de Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.”

“No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!”

“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”


“Tive medo não. Só que abaixaram meus excessos de coragem.”

"Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso."

"Compadre meu Quelémem sempre diz que eu posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bem-assistido, terríveis bons espíritos me protegem. Ipe! Com gosto... Como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou eu mesmo. Divêrjo de todo mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre - o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!"

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Manoel de Barros

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Grande Guimarães Rosa

" O senhor pense outra vez,repense o bem pensado: (...) a minha vida mudou para uma segunda parte.Amanheci mais."

True!

sábado, 6 de junho de 2009

Lygia Fagundes Telles em "A Disciplina do amor"

Costurar as feridas e amar o inimigo que odiar faz mal ao fígado, isso sem falar no perigo da úlcera, lumbago, pé frio. Amar no geral e no particular e quem sabe nos lances desse xadrez-chinez imprevisível. Ousar o risco. Sem chorar, aprendi bem cedo os versos exemplares, Não chores que a vida é luta renhida.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Alberto Caeiro, em “O Guardador de Rebanhos”

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…