quinta-feira, 21 de maio de 2009

Alberto Caeiro, em “O Guardador de Rebanhos”

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…

Fernando Pessoa

Ah a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que'eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
E tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Trecho de Substância - João Guimarães Rosa

A alumiada surpresa.

Alvava.

Assim; mas era também o exato, grande, o repentino amor – o acima. Sionésio olhou mais, sem fechar o rosto aplicou o coração, abriu bem os olhos. Sorriu para trás. Maria Exita. Socorria-a a linda claridade. Ela – ela! Ele veio para junto. Estendeu também as mãos para o polvilho – solar e estranho: o ato de quebrá-lo era gostoso, parecia um brinquedo de menino. Todos o vissem, nisso, ninguém na dúvida. E seu coração se levantou. __ “Você, Maria, quererá, a gente, nós dois, nunca precisar de se separar? Você, comigo, vem e vai?” Disse, e viu. O polvilho, coisa sem fim. Ela tinha respondido:__ “Vou, demais.” Desatou um sorriso. Ele nem viu. Estavam lado a lado, olhavam para frente. Nem viam a sombra de Nhatiaga, que quieta e calada, lá, no espaço do dia.

Sionésio e Maria Exita – a meios-olhos, perante o refulgir, o todo branco. Acontecia o não-fato, o não-tempo, silêncio em sua imaginação. Só o um-e-outra, um em-si-juntos, o viver em ponto sem parar, coraçãomente: pensamento, pensamor. Alvor. Avançavam, parados, dentro da luz, como se fosse o dia de todos os pássaros.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Embriagai-vos (Charles Baudelaire)

Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais
conta. Para não sentir o horrível fardo do
Tempo que esmaga os vossos ombros e vos
faz pender para a terra, deveis embriagar-vos
sem tréguas.

Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude,
à vossa escolha. Mas embriagai-vos.

E se algumas vezes, nos degraus de um palácio,
na erva verde de uma vala, na solidão baça do
vosso quarto, acordais, já diminuida ou desaparecida
a embriaguez, perguntai ao vento, à vaga, à estrela,
à ave, ao relógio, a tudo o que fogem, a tudo o que
geme, a todo o que rola, a tudo o que canta, a tudo
o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a
vaga, a estrela, a ave, o relógio, vos responderão:
"São horas de vos embriagardes! Para não serdes
os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos
sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude,
à vossa escolha.

Poema com absorvências no totalmente perplexas de Guimarães Rosa (Adelia Prado)

Ah, pois, no conforme miro e vejo,
o por dentro de mim, segundo
o consentir dos desarrazoados meus pensares,
é o brabo cavalo em as ventas arfando se querendo ir.
Permanecido apenas no ajuste das leis do bem viver comum,
por causa de uma total garantia se faltando em quem m’as dê.
Ad’formas que em tréguas assisto e assino
e o todo exterior desta minha pessoa recomponho.
Porém chega o só sinal mais leve de que aquilo ou isso
é verdadeiro pra a reta eu alimpar com o meu brabo cavalo.
Ara! que eu não nasci pra permanência desta duvidação,
mas só pra o ser eu mesmo, o de todo mundo desigual,
afirmador e conseqüente, Riobaldo, o Tatarana.
Ixi!

Manoel de Barros

A poesia está guardada nas palavras - é tudo que
eu sei.
Meu fado é o de não entender quase tudo.
Prepondero a sandeu.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não cultivo conexões com o real.
Para mim, poderoso não é aquele que descobre ouro,
Poderoso para mim é aquele que descobre as insignificâncias:
(do mundo e nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei muito emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.